quarta-feira, fevereiro 01, 2006

Amor

A escuridão ocupava cada canto do quarto.
O corpo estava quieto e adormecido por entre lençóis cheios de frio. As pernas encolhidas, e o cabelo disperso que beijava cada pedaço de almofada. Passos. Pequenos passos. Pequenos passos de veludo pisavam o escuro do quarto. Pisavam cada molécula de oxigénio, como se houvesse um céu por baixo deles. Pisavam cada partícula de silêncio esquecido, como se fosse houvesse um túmulo por baixo deles.
O corpo continuava quieto, esperando os passos sem saber, esperando uma voz sem pensar.
- Amor. - O som percorreu o ar, deslizou suavemente entre o escuro, e deixou-se cair nos cabelos negros. Passeou-se neles, deixando-se demorar, e foi entrando devagarinho no ouvido…o tímpano vibrou mansamente, mas o corpo não ouviu. Os passos percorreram mais um pouco o quarto e pousaram mesmo em frente da figura estendida. A escuridão esqueceu os passos e concentrou-se no leve deslocar de um rosto, e no timbre de um pousar de lábios num ouvido.
- Amor… - a voz soou ainda mais doce, ainda mais bela, e o som apenas se desapertou dos lábios, para cair directamente no ouvido. O corpo ouviu. O corpo acordou. O corpo abriu os olhos e encontrou escuro sobre escuro, e um olhar fixo na sua fragilidade descoberta.
- Quem está aí? - Disse o corpo num murmúrio.
- Sou eu amor, o amor…
- Amor? Quem é o amor?
- Ninguém, nada, tudo…sou tudo e sou nada… - Ouviu-se um riso triste que desvaneceu logo de seguida.
O corpo procurou a voz na escuridão. Tocou no vazio durante algum tempo e depois encontrou uns lábios…mais acima um nariz…umas pálpebras…as pestanas fechadas. Tocou a pele, sentiu a sua textura, o seu cheiro.
- Amor… - concordou o corpo - Sim és tu, meu amor…
Os lábios tocaram-se, mergulharam no dentro de cada um, guardaram palavras do fundo…esperaram…soltaram amarras e os fundos prenderam-se.
Amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor…repetiam os dois corpos em uníssono,como se a palavra fosse acabar e deixar de existir. As palavras lançadas de ambos os corpos chocavam uma na outra…as letras saltavam de cada palavra e enlaçavam-se…o A com o R, o M com O, o O com o M e o R com o A. As letras caíam com ruído no escuro. Chocavam, enlaçavam-se e caíam. Chocam, enlaçavam-se e caíam.
Os olhos abriram-se e percorreram de novo o escuro, as mãos procuraram algo consistente, mas só agarraram partículas de ar e silêncio. O som já não se deixava cair nos ouvidos do corpo. Agora, o corpo só ouvia apenas o sussurrar dos seus movimentos, o sussurrar dos seus pensamentos velozes. Nenhum som para além do seu…
Silêncio. E o silêncio cobrira um espaço maior que o escuro. Nada, vazio… Tudo igual, como se o corpo voltasse atrás…Pousou os pés no chão, sentiu as letras mortas por baixo dos pés, sentiu o frio das letras que corroíam os seus dedos…Procurou mais um pouco…letras esquecidas no escuro, suspensas no nada do silêncio…
Ninguém, nada, tudo… Amor? Amor?... Ninguém, nada, tudo…

8 comentários:

Anónimo disse...

Os passos são de veludo, sim. O ser que jaz adormecido é um dos meus amores. Amor, grande e pequenino. Os cabelos não são bem pretos mas dum castanho profundo. O beijo é dado suavemente na bochecha fofa e quentinha. E as palavras: "até logo, não adormeças..." Faz-te lembrar alguma coisa?...

Anónimo disse...

Hum hum..sim fazem-me lembrar dias frios por baixo de cobertores quentes, e beijinhos de um acordar melhor...=)

Sara Morgado disse...

E o amor toca e ondula por tudo. E fica e entra na pele e incendeia por dentro.
E é doce.
Mas é triste quando tudo acaba, sem razões aparentes, quando se vai do nada e tudo é trocado pelo vazio.
E ainda os bocadinhos de açúcar na ponta da língua que não desaparecem, para nos desfazer mais um pouco.

"Só para lembrar que o amor é uma doença quando nele julgamos ver a nossa cura." ;)
(Maneeeleee)

Anónimo disse...

Há amores que nos consomem e outros que nos alimentam, que nos ajudam a viver! Um texto que me deixou a pensar no amor e em todas as formas e sentidos que pode tomar!

Anónimo disse...

é muito bom quando o amor entra sem q estejamos à espera dele...
é bom quando o maor nos acorda de manha cedinho e nos dizem um "ate logo" que nos parece tão longe e tão perto... por momentos sentimo-nos seguros e amados...
mas e agora?pergunto-me eu... será que vai continuar a ser assim?
será que vou continuar a ser visitada pelo amor logo de manha?
de repente parece que tudo me escorreu entre as maos como agua..
espero que continue... senão vou ter saudades, saudades que não sei se vou conseguir superar....

lindo texto xelma...*
(desculpa o desabafo.. axo k sabes ao k m referi...:'( )

Anónimo disse...

Vais continuar a ter amor sim...vais continuar a lembrar os beijinhos e o afagar dos lençóis..porque o amor simplesmente não desaparece, ele vai estar sempre contigo..e depois, de tarde tens o amor de todas nós, que te damos muitos abraços apertados, e muitos beijinhos fofinhos e cheios de ternura..
Força..estamos todos aqui contigo!
Muitos beijinhos namoradaaaaa!*****

D. disse...

o amor que dá beijinhos de veludo quando a manhã se transforma em tarde e é hora de levantar e dizer adeus até logo.. e fingimos que de manhã, não adormeci no teu peito, com festas leves pelas costas e beijos na cara... acordar e ver uns olhos verdes, húmidos de lágrimas, colados a ti... um sorriso que se espalha... "amor, já é tarde"...
o amor nunca se esquece, é verdade, é por isso que nunca me vou esquecer das trenguinhas...

José Carlos Gomes disse...

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Caros leitores e digníssimas leitoras, é já a partir das 24h00 do próximo sábado, dia 18, que vamos estabelecer o contacto com outras civilizações. Na madrugada de sábado para domingo, iremos encontrar-nos na Central Eléctrica de Campo, Valongo, para dar as boas-vindas aos extraterrestres que ali costumam abastecer as naves eléctricas em que se deslocam. Se estivermos bem dispostos (talvez o tinto ajude a isso) é possível que sigamos as ideias do grande Freitas e pode ser que convidemos os nossos visitantes para uma futebolada: uma partida Terráqueos versus ET's.
Em todo o caso e para que tudo corra pelo melhor, convém que quem quer ir se inscreva na caixa de comentários do blogue Marginalizante, até sexta-feira à noite. Pode também inscrever-se nos blogues co-organizadores, o Entre as Montanhas e o Tonticidades, onde há mais informações disponíveis. Todos são bem-vindos, mas todos temos de levar de comer e de beber, além de alguns objectos que nos dêem jeito, como saca-rolhas, mantas para depositar os víveres, etc. Pede-se que no momento da inscrição, cada um diga qual a "multa" que tenciona "pagar", de modo a sabermos quantos terráqueos estarão presentes e o que terão para morfar e beber.
Até sábado!