quarta-feira, dezembro 21, 2005

Nuvem de música

Ouve-se ao fundo os leves sons de uma música...ouvem-se as notas arranhar o ar, enquanto se movem lentamente. Olhos fechados, mãos fechadas, e a nuvem de música que se começa a formar, ainda um pouco dispersa à minha volta. Vai-me envolvendo, vai-me sugando outros pensamentos, restando apenas o som...não o som do mundo lá fora, mas o som do mundo da música...desta música.
As notas ganham velocidade, os olhos continuam cerrados, mas a palma da mão passeia-se na nuvem que me envolve, retém-se por momentos em sons e em palavras que ficam, para logo passarem a seguintes. Fecho os dedos...colcheias, semicolcheias...bês, cês, dês...ficam presos por entre os dedos. Encosto a mão no peito, sinto as notas e as palavras entrar pelos poros, como um sopro quente. Guardo-as no meu dentro apertado, que se contrai pela beleza do conjunto , pela beleza da música. Esta nota aqui, esta palavra ali, esta acolá. Fiquem, fiquem mais um pouco...os músculos, as veias e as artérias pedem e prendem-nas mais um pouco...mas elas saiem por onde entraram, e fica apenas um rasto sulcado. Os olhos abrem-se, e as notas saiem, os lábios abrem-se e as palavras saiem...em forma de lágrimas músicais, que dançam enlevadas no rosto pela melodia, em forma de um trautear baixinho que escapa por entre os lábios...elas saiem porque são livres, e a nuvem da música as espera, para as acolher e novo e partir. As notas e as palaras juntam-se, primeiro rapidamente, depois lentamente, até que se separam e a nuvem se evapora...
E tudo recomeça.

Not swallowed in the sea- Coldplay- X & Y

( Quando a música acaba e fica o desejo de mais e mais, e o medo que na próxima vez a nuvem de música não nos encante tanto como das outras vezes...que falte o aperto cá dentro, que nos falte o sentido da música, que falte a lágrima musical...)

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Homem

Era fria e húmida a prisão onde se encontrava o Homem. Grossas barras separavam a humidade do interior da sua cela e a do exterior da sua cela. O Homem dormia naquela cama feita de pedra fria, com o resto de um manto putrefacto que lhe restava para manter a réstia de calor. A cela cheirava àquele cheiro forte a dejectos, a suor fresco, e a suor encrustado na pele...cheirava a Homem. O próprio Homem não se importava com o cheiro, com a humidade, com o frio da cela, era por escolha dele que ali estava, ele próprio construíra a sua própria cela.
Havia uma única janela na cela, uma janela sem grades, onde o sol brilhava, onde o ar entrava limpo trazendo a frescura do dia lá fora, mas o Homem tapara a janela com o seu manto, tapara e confinara-se ainda mais à sua prisão...o sol cegava-o, e o ar limpo já não lhe parecia normal...
Durante o dia, o Homem fazia nada, e nada continuava fazendo até que o a escuridão chegava.
O Homem não se importava, não fazia coisa alguma e vivia esquecido naquele cubiculo, onde ninguém lhe chegava para o apontar, para o contrariar...Apesar de suja a cela não era assim tão má, pensava o Homem, afinal a própria cela tornava-se melhor, porque se tratava da cela do Homem. Ignorante era o Homem, e assim vivia...
Ora Homem...olha à volta, olha à volta do mundo que consideras teu, e diz-me se viverás numa cela, ou se a cela vive em ti próprio...

Fio das palavras...

Fio...mais fio...mais e mais fio...muito mais que mais fio que possa existir. Pensamentos por entre o fio das palavras, pensamentos por dentro e fora do fio das palavras, que é tão pouco...
As palavras soltam-se do que se processa, soltam-se e escorrem pela garganta, soltam-se da garganta e transformam-se em particulas de som que se soltam do ar e se agarram aos meus ouvidos, aos teus ouvidos, aos dele, aos vossos, aos deles...
Mesmo assim...mesmo que as palavras se prendam, o fio parece sempre tão curto, o fio parece sempre tão curto para as palavras, para os pensamentos, que acabam nas entranhas de um algo que está tão dentro que nem parece real, e se acaba por esquecer...
Devolve-me o fio, ou dá-me mais um pouco...sei que já tenho muito mais que o mais, mas os pensamentos querem mais por onde sair, e eu quero mais por onde dizer, por onde pensar, por onde me fazer ouvir...quero mais...
Ver, absorver, sentir, pensar, processar, soltar...mas tão pouco fio...

terça-feira, dezembro 06, 2005

Olha e vê

Olho-te. Olho-te bem dentro e vejo o que tens dentro do que te escondes. Tu olhas mas nem me vês. E eu espero… o mundo também espera que um dia me vejas, que o vejas e te vejas a ti. Mas nada… o mundo continua à espera e tu olhas para tudo, olhas o céu, as nuvens, as pessoas à volta, o mundo à tua volta. Olhas mas és cego por dentro. Quantos queriam os olhos! E tu apenas olhas…
Olhas para ti mesmo e não vês o que eu vejo por dentro do que te escondes. Um coração… tão frágil, que pulsa sangue tão pouco, que não pulsa calor para ti e para o mundo. Continuas a sorrir como se sentisses o coração bater. Mas não sentes… tu olhas mas não vês e és cego e não sabes…
O coração a parar, a parar, cada vez mais, tão lentamente que até dói, tão lentamente que até pára o meu por instantes.
Vejo os teus olhos fechar, vejo os teus lábios fechar, vejo os teus braços e pernas fechar, vejo o teu corpo fechar-se ao mundo… Vejo o teu corpo no chão mas ele não me vê e assim continua, fechado sobre si mesmo, cego mesmo quando morre.
Não me morras! Diz o meu coração mas o teu nem responde… Continua quedo e mudo no chão, com veias que estão vazias e cheias de morte para ti.
Tento fugir do que me prende, do que te prende… Tento atravessar o que te protege e ao mesmo tempo te mata, o que te torna tão fraco… Caio, parto-me em bocados pequenos que tentam chegar a ti, por alguma fresta do teu olhar… Parto-me em vão… Enquanto tu te quebras em dois, caído no chão, de olhar perdido em nada…
Não me morras… dizem as lágrimas… mas tu há muito que partiste…

Livro

Observo os pés pisar o chão, observo os joelhos dobrar, os braços ao longo do corpo, acompanhando o movimento do passo incerto. Piso o chão como quem pisa o que não quer… Olho à volta como quem procura o que quer, o que precisa… Nada à volta anuncia a presença de algo e continuo a pisar com quem não quer e a pensar como quero tanto…
Carrego o meu livro com uma enorme capa vermelha que cobre páginas amarrotadas, páginas lisas, páginas tão presas, páginas soltas e tantas páginas em branco.
Um grande livro, de uma grossura colossal, um peso grandioso… Eu piso o chão e o livro pisa-me a mim… As páginas amarrotadas pesam mais, as lisas, levo-as sem sentir e as páginas presas já tomaram o peso sobre as minhas costas. As restantes… continuam com um peso nulo mas que também pesam e talvez pesem mais que as outras…
Um passo, uma frase, um passo, uma palavra, um passo, dois, três, quatro… um livro…
É o meu livro mas não o controlo. Escreve o que vê, escreve o que nem vê, escreve o que nem sente, nem ouve, nem cheira… escreve o que é e não é, e o que espera que seja…
No fim, pés, o pisar do chão, joelhos dobrados e braços ao longo do corpo que acompanham o movimento do passo, originaram frases… No fim, o chão que piso, o que olho e o que não quero, e quero tanto… originaram frases do meu livro.No fim, mais um que vagueia por ruas, com o peso das páginas que um dia se fizeram e, com a certeza que haverão muitas mais para escrever…

segunda-feira, novembro 07, 2005

Frio...

O sol espreita mas não traz nada de novo. O mesmo sol, o mesmo cenário, o mesmo guião mas sem a luz que preciso...
Tento arrancar-me do frio que faz, apesar dos abraços tão quentes e tão ternos...
Eu quero ter fôlego, parar e parar de chorar... mas as lágrimas já sabem o caminho de cor. E eu arrasto-me, arrasto o peso bruto de um corpo por este cenário de céu tão escuro e árvores despidas... também elas devem gelar...
Não quero estar aqui fora, quero estar no meu dentro mas eu quero um dentro quente... não quero estar aqui fora onde tudo corrói, onde o vento passa e tenta agarrar-nos os pés... onde tudo se quer manter quente e os esforços são tão grandes... mas o meu dentro é frio e o ar que lá corre tornou-se tão rarefeito e gélido que queima e sufoca ao mesmo tempo. Os músculos da cara pesados, tão pesados, os olhos cerrados e húmidos, os lábios roxos, a pele pálida com veias geladas... as mãos enregeladas, os movimentos mecânicos, os músculos entorpecidos... frio, tão frio... Não quero desistir, deixar-me morrer mas não faço nenhum movimento. Luto por dentro. Empurro o bafo quente para o interior, as mãos não se movem mas friccionam os meus músculos, os meus ossos, o meu sangue...
Tento a todo o custo sentir o calor... e se não conseguir?...
Ficarei aqui, no cenário escuro, à espera de um novo cenário, à espera de um novo guião... à espera de mais luz? Ou espero pelo fim inevitável do filme?

quarta-feira, outubro 26, 2005

Olhos de lua

Da janela viam-se os cabelos a ondular levemente com a brisa da noite. No parapeito, os seus braços tentavam agarrar a imagem para depois vê-la mais tarde na escuridão do seu sono. O sorriso fácil bailava na sua cara e os olhos, aqueles olhos que pareciam duas luas cheias, reflectiam duas luas pequeninas, semi-preenchidas e amarelas.
Quero ir à lua, pensava ela, mas não quero ir à lua dos astronautas, cheia de pegadas e bandeiras... quero ir a esta lua, que está aqui neste céu tão próximo de mim. Onde posso observar as luzes das cidades e as pessoas muito pequeninas. Fechou os olhos de lua cheia e concentrou-se no seu desejo. Pediu com muita força até se formarem pequenas rugas nos cantos dos olhos.
Abriu-os, pestanejou duas vezes.
À sua frente encontrava-se uma escada que ligava a sua janela à Lua. A escada era em caracol e podia ver-se flores a cobrir todo o corrimão. Flores vermelhas, amarelas, azuis, roxas, cor-de-rosa...
Abriu-se um sorriso tão largo que quase não cabia na sua cara. Abriu mais um pouco a janela, subiu ao parapeito e pousou o pé descalço no primeiro degrau. Subiu, subiu, subiu, subiu enquanto observava a imagem da sua janela cada vez mais longe e as luzes da cidade cada vez mais pequenas. 200 degraus para chegar à Lua, mas conseguira. Empoleirou-se no quarto crescente e observou até não conseguir mais.Ali estava a cidade adormecida... e ouvia-se o som do suspiro de múltiplos sonhos e desejos reprimidos durante o dia. Ali estava a cidade adormecida, desperta e atenta a todos os movimentos do sono. Os seus pés tocavam nas estrelas, que salpicavam o céu escuro, e elas beijavam-nos, dançavam à sua volta, iluminando-lhe mais a imagem lá ao fundo. Observou e sorriu, até os seus olhos lhe pesarem de tanto sono. Então encostou-se à Lua e a Lua abraçou-a e aconchegou-a junto a si. Os olhos de Lua cheia uniram a pálpebras finas e assim dormiram, um pouco despertos, e sonharam na Lua em quarto crescente.

quinta-feira, outubro 13, 2005

Rasto salgado

Sinto uma lágrima presa. Sinto que se franzir um pouco mais a testa, se fechar mais os olhos, se puser a boca ao contrário de um sorriso, ela cai. Eu sei. Ela diz-me que é assim, e que não há outra forma de ficar retida eternamente nas pestanas.
Sinto o seu peso...nela reside todos os meus medos, nela está o peso da tristeza que me quebra. É pesada esta lágrima, mal consigo sustê-la nos olhos, mal consigo ver o que me rodeia, a lágrima cobre-me a retina, torna a minha visão opaca e difusa...mais do que o que sempre foi...
Tenho de fechar os olhos, ela quer correr, quer marcar um caminho para outras correrem, ela necessita de respirar o mundo.
As pestanas chocam umas nas outras. A lágrima fica presa no último fio de uma pestana, mas logo se liberta. Caiu. Rápida e leve.
-“Percebes agora a tua origem, lágrima?”- perguntei baixinho.
Ela nada disse. Correu apenas. Deixou o seu rasto salgado, e esperou no canto da boca, que outras seguissem o caminho.
Silêncio. Espera longa. O segundo em que se processa emoções no interior.
Nenhuma veio, nenhuma a seguiu. Para ali se quedou, esperando em muda resignação, mas nada se mexeu. Uma mão decidiu apanhá-la... com todo o cuidado do mundo, colocou a gota no indicador e apagou o rasto deixado por ela. Fez com que nada tivesse existido...
Levou a lágrima de volta à origem.
Vem fica em mim. Não respires o mundo, respira-me. Consome tristezas cá dentro. Eu espero, não tenho pressa de formar novas lágrimas que te serão fieis seguidoras. Talvez fiques cristalizada no tempo, cristalizada nos olhos...talvez...mas eu não tenho pressa de te perder...

quinta-feira, outubro 06, 2005

Num minuto

Os olhos encontraram-se num minuto. O minuto parecia mover-se devagar. Naquele minuto, as pessoas que se avistavam na rua moviam-se despreocupadamente, tudo se movia em câmara-lenta, sem pressa de chegar ao momento em que os olhos se separavam outra vez e seguiam mais uma vez o seu campo de visão.
Mas, aquele momento ainda não era esse momento. Por enquanto tudo estava concentrado em dois pares de olhos nada mais. Um par de olhos de um verde-água esquálido, e outro par de olhos escuros como o fundo do mar. O choque entre o escuro e o claro, o choque entre uns olhos redondos e uns rasgados. Um choque profundo que derivou num choque surpreso, um tanto envergonhado.
Nenhum dos dois pares de olhos se queria desprender, o olhar foi para além do suportável. Nasceu nos dois pares uma vontade de se unirem, de ficarem colados só a observar, cada pontinho de cada um dos olhos que dava cor. Nasceu nos dois pares de olhos a vontade de beijar a retina, se perder naquele mar de superficie e naquele mar de profundidade. Beijar a pálpebra fina que por segundos apenas quebrava a ligação do olhar. Nasceu nos dois olhos a vontade de tocar , abraçar... Abraçar aqueles olhos que pertenciam a alguém, levá-los consigo para bem longe daquele terminável minuto, fazer com que aquele olhar ficasse congelado, para depois relembrar o calor, a calma e a força sem limites dos olhos... Os olhos encontraram-se num minuto. O minuto moveu-se devagar, mas acabara. O fio quebrou. Os olhos sentiram a partida do olhar, o fim do minuto moroso. Os dois pares de olhos moveram-se lentamente para uma rua de uma cidade coberta de outros olhos. Esqueceram o fio e ligaram-se ao chão. Perderam-se em caras difusas, procuraram outra vez o par de olhos, mas já se tinham movido. O minuto não voltava, o minuto não parava, as pessoas não se moviam lentamente. Num minuto os olhos encontraram-se, numa eternidade tentaram fazer um nó no fio que quebrou...

Nada-nada

3 de Fevereiro, 1981
Estou triste...Estava há bocado a pensar que deveria escrever neste estado de espirito do nada-nada para saber utilizá-lo quando for necessário. Estou realmente no nada-nada à espera que o tudo-tudo venha ao meu encontro. Já vi que, só sendo indiferente, eu me posso "salvar" neste mundo. É o meu mecanismo de defesa. Além do nada-nada, tenho o "virar-me só para mim", bastar-me a mim própria.Venho a descobrir que cada vez me afasto mais das pessoas e não tenho muita certeza de me estar a aproximar de mim.Mas quem diabo sou eu? Eu nem sei quem sou nem que ando a fazer.Ás vezes penso que sou maluca ou que já nasci maluca ou então estou a ficar. Mas eu não me preocupo. Por agora ninguém sabe. E quando desconfiarem eu nunca direi o que penso. Hei-de fingir sempre, para baralhar toda a gente.Durante o dia surgem-me tantas ideias que eu gostaria de fixar!Mas não! A "câmara" continua a filmar e os rolos de filme são guardados nas gavetas da memória para surgirem (serem projectados) quando menos se espera.Estava há bocado a pensar que pensaria que iria escrever "estava a pensar há bocado".As pessoas são loucas. São todas loucas!E as que parecem "normais" são as que fazem mais esforços para fingirem que não são loucas.Eu finjo que sou "normal" e há pessoas que acreditam nisso. Mas eu sou louca. Mas sendo louca sei que finjo ser "normal", enquanto que há pessoas que ao fingirem ser "normais"julgam que não são loucas.Estou triste...acho que o tudo-tudo nunca me irá encontrar...
Escrito por alguém que merecia tudo-tudo

segunda-feira, setembro 26, 2005

Enxerto de um abraço escrito

Às vezes tenho raiva de mim, (e é essa a única vez que me enervo a sério) porque não consigo demonstar-te, nem aos outros, os meus sentimentos...Ontem queria abraçar-te tanto!Queria chorar todo o meu carinho para cima de ti, molhar-te com as minhas lágrimas salgadas mas ao mesmo tempo doces, despojar-me de toda esta cápsula que me faz sentir a pessoa mais fria do mundo...mas eu tenho medo de me mostrar...queria que estivesses aqui comigo, para me embrulhares nos teus braços, e dizeres que apesar de tanta gente neste longo caminho, vamos ser e ter sempre nós as duas...vamos ter sempre as mesmas danças, sempre as infinitas conversas sobre assuntos sérios e assuntos sobre coisa nenhuma, vamos ter sempre as idas a casa uma da outra, vamos ter sempre aquelas aventuras....enfim, diz-me que vamos ter tudo isso para nós.
Neste momento uma e dez da manhã, um copo de água à beira, silêncio absoluto na sala, o resto das pessoas a dormir. O candeeiro ao lado, com uma luz ténue, e uma pessoa comovida pelas tuas palavras, tentando-se exprimir e retirar a sua cápsula. Sabes que te adoro, não sabes? Sabes que apesar de não te abraçar muito e de não te dar muitos beijos, o meu carinho fortificou-se mais e mais... todas as relações são assim. Sou estranha, sinto-me um bocado diferente de todos aqueles que não têm problemas em mostrar-se, mas o meu carinho fortificou-se. Só para te tirar as dúvidas, escrevo, e é certo que te adoro. Adoro a tua forma de dançar, a forma como falas, a forma como ris, a forma como coças o nariz, a forma como o teu cabelo arrebita nas pontas, e quão abundante é, a forma como separas os dedos dos pés, a forma como ouves e cantas música, a forma como bates com os dedos numa mesa, a forma como róis as unhas e canetas, a forma como olhas o mundo, a forma como olhas uma aventura, a forma como te sentas... adoro-te. Simplesmente.
Sinto que cada palavra mesmo os artigos têm um bocadinho de mim, um bocadinho do meu enorme carinho, um bocadinho do meu mundo, onde estão algumas pessoas que nem sabem que estão lá. Mas tu sabes...abri-te o meu mundo por inteiro, fiz uma cópia das chaves da porta, e por isso podes entrar sempre que quiseres. Podes sentar-te, podes rir, chorar, cantar, dançar, e eu saberei que estás lá dentro, vou observar , e rir, chorar, cantar e dançar contigo. Sabes que enquanto estiveres no meu mundo eu irei estar atenta, para que nunca te sintas sozinha e esquecida, mesmo que assim o pareça. Eu estarei lá, a rir ou a chorar contigo, triste porque estás triste, alegre porque estás alegre, e nada altera isso...
Ainda sinto a lágrima a querer sair, ainda sinto aquele abraço que demos e o beijo que depois me ficou marcado na bochecha. Apanhei o beijo com as duas mãos para não me escapar, meti-o no bolso para não o perder, agarrei o calor dos teus braços e meti-o no outro bolso. Está tudo bem guardado, eu vou coser os dois bolsos, aqueles bolsos são teus, não entra nem sai nada mais.
Uma e trinta e sete da manhã, um copo de água ainda cheio, o candeeiro a querer apagar, um avô que aparece sonolento e me acena, uma pessoa que sorri do outro lado, e que volta a concentrar-se no seu abraço escrito. Uma pessoa que se sente muito mais leve, com todo o seu carinho liberto, a cópia da chave do seu mundo entregue e olhos vermelhos, mas felizes. Uma pessoa com a memória mais livre, que é capaz de retornar ao passado e fazer as mesmas coisas com a mesma pessoa milhões de vezes como se fosse a primeira vez. Uma pessoa que espera o dia de amanhã, o dia em que a pessoa que a comoveu vai conhecer o outro lado do seu mundo, um mundo onde o ar é mais puro. Uma pessoa que boceja, concentrada no monitor, concentrada no seu teclado, e que quer reler os seus pensamentos por escrito do seu eterno abraço escrito.

A nuvem multicolor

Ela olhava o céu com um olhar concentrado. Os seus olhos castanhos observavam cada pormenor daquela estranha nuvem multicolor.
Com o seu narizito coberto de sardas de todos os tamanhos cheirava o perfume do vento, da relva, do céu, do sol... e mesmo o perfume suave daquela nuvem. Sorriu. Caminhou, os seus pés descalços tocaram a relva fresca e pousaram mesmo em baixo da nuvem. Viu um cordel mesmo por cima da sua cabeça. Sentia-o tocar levemente nos seus cabelos. Então, agarrou-o e puxou, puxou, puxou. A nuvem aproximou-se dela, aquela belissima nuvem multicolor. Finalmente tinha-a! E não a iria perder nunca mais! Atou o cordel ao seu dedo e caminhou, num passo certo e seguro. A nuvem multicolor, cheia de alegria, amor e amizade era finalmente sua...

quarta-feira, setembro 21, 2005

Escuro da loucura

Quando finalmente abri os olhos, encontrei a escuridão. Levantei-me de uma cama, sentei-me e o meu corpo acostumou-se ao negro.
De uma janela surgia uma luz ténue e difusa que dava ao quarto a luz necessária para distinguir as formas do quarto. Havia a cama, a janela, e uma mesa pequena com dois copos. Ao lado da mesa, uma porta de madeira, onde cheguei tropeçando em mim mesma. Coloquei a mão no puxador. Estava fechada. Olhei em volta. Não existia nada mais...
Aninhei-me sobre mim mesma, esfregando os olhos, desgrenhando o cabelo. Coloquei a cabeça entre os joelhos. "Estou sozinha, num quarto escuro", pensei.
- Não estás sozinha...- disse uma voz- "...estamos todos aqui..."- disse uma voz de mulher-"...os teus demónios!" Riram em uníssono, espalhando o terror na minha pele. Nada se via, apenas se ouvia risos abafados. Mas a pouco e pouco, as formas no escuro tinham forma e volume. Quatro olhos, dois narizes, duas bocas distinguiam-se, e corpos escanzelados aproximavam-se de mim. Cada um segurava algo nas mãos. A mulher segurava uma faca,e o homem um machado. As vozes deles estavam em mim, bem dentro de mim, sibilando, mas gritando ao mesmo tempo.
Matar...nós...vamos ...te MATAR!
Corri para a porta, e gritei de terror. Matar...agarrei o puxador com mais força e voltei-o...nós...bati na porta...vamos...ouvi a minha voz quase muda...te...Eles querem-me...MATAR!
Eles puxavam-me agarrando as minhas pernas, lutei para me voltar e pontapeá-los, mas não consegui...a mão do homem agarrava-me..." Não consigo, vão-me matar..meu sangue..." As minhas unhas cravaram-se na madeira apodrecida da porta, mas escorreguei e senti lascas penetrarem a pele. Soltei-me da porta. Virei-me e encontrei os olhos deles, vermelhos raiados de sangue, talvez meu sangue, o riso sair e vaporizar o ar, queimá-lo e deixar-me privada dele, estava a sufocar...Os meus gritos e aqueles risos cobriam o quarto.
Do outro lado ouviram-se passos, passos apressados. Ouvi o meu nome, mas não respondi. Gritei apenas. Terror, medo, dos meus olhos brotavam lágrimas. Eu ia morrer. Os meus demónios, as vozes na minha cabeça, dentro dele, em cada neurónio, a morte. Lutei contra eles. Arranquei a faca daquela mulher...golpes profundos nos olhos, na boca, no nariz. O homem observava a cena a sorrir-me deleitando-se.
Abriu-se a porta. A luz entrou repentinamente no quarto. A mulher afastou-se segurando a cara com as mãos...o homem a sorrir.Uma mulher entrou no quarto agora iluminado. Os seus olhos expressavam terror. O quarto estava destruído, não restava nada inteiro.
Ela tentou aproximar-se de mim, mas fugi-lhe e sentei-me num canto do quarto
-Eles estão ali, eles queriam matar-me...eles iam...meu sangue...- murmurei entre dentes. A voz calma da mulher ouviu-se:
- Eu sei...está tudo bem, tudo bem..."
A voz aquietou-me. Comprimi a cara nos joelhos e baloicei-me. Não estava muito certa.
-...eles vão-me matar...
Ela aproximou-se, tomou o meu braço, olhou as minhas mãos com unhas desfeitas, olhou a minha cara com sangue seco, olhou-me nos olhos.
- Descansa...
Olhei a cama onde antes estavam os demónios. Estava vazia. Os olhos fecharam-se pesadamente. A mulher sorria-me muito longe. Não se via nada, não se ouvia nada. Pouco e pouco o silêncio voltou, e a escuridão reinou dentro de mim outra vez, calma e escura...

terça-feira, setembro 20, 2005

Olhos distantes, corpo longínquo. Ali estava ela. Enterrada a meio da cintura, com olhos postos num céu clemente. Olhos negros, pretos de escuridão, pretos de nada. As mãos comidas pelos ventos, apontavam o céu, num acto impossível de agarrar.
Lá em cima o céu, azul, com o sol radiando energia para toda a terra, aquecendo e protegendo todos os rebentos que pudessem germinar. O sol aquecia todos, menos ela. Nela estava uma sombra, ausência de sol. À volta luz, nela sombra. à volta crescimento, ela a definhar. A cara era branca, transparecendo todas as veias e artérias, lábios cerrados prendendo o grito e a vontade de gritar. Ela branca e escura. Ela calma e feroz.
Os olhos percorriam o céu, pedindo para que ele a visse, também estava no mundo, metade no mundo, metade na no interior do mundo.
Era cada vez mais puxada para o fundo, cada vez mais um resto de alguém que uma vez fora iluminada. Mas o céu, o sol não estavam ali para ela. Teria de lutar. Teria de chegar por si própria ao céu, como se fosse um papel e dizer: "É meu!"
Teria de lutar...teria de puxar um bocado de sol para a iluminar, para crescer e sair do buraco do mundo.
Agora era só ela e o mundo. Era só ela e um voo para além do céu.

Quadro

Não era assim que imaginava o meu quadro. Uma praia, com o mar calmo, mas com ondas que chegam aos pés em forma de espuma. Também esperava o céu mais claro, sem muitas nuvens, para poder observar. Não era com este quadro que me queria partir em milhares de particulas cheias de espectros, cheios de sombras, falhas, cheiros, vozes, pessoas... cheias de todo esse nada que não me é nada e nem quero que me seja alguma coisa.
Sinto a espuma cada vez mais gelada, deito-me na areia, deixo a espuma lember o meu corpo. Deixo as particulas cheias lamber a mente. Não há nada que eu deseje nestas particulas cheias, absolutamente nada. Os espectros deixá-los-ei nas sombras, que se encontram nas falhas. Os cheiros e as vozes pertencem às pessoas...nada me são. Deixá-los-ei.
O frio percorre os restos de mim, mas nada disso importa realmente. Fundi-me na areia, não distingo o que é meu, do resto do quadro, apenas memórias, memórias frias esbatidas pelo sofrimento, só distingo a morte no meio deste quadro;O céu que se fecha sobre mim, as nuvens agora negras...a morte é o que me resta, entregar-me ao nada, atirar a vida para o fim, cuspir a alma pela boca, sair todo o peso deste corpo inútil, de pessoa inútil, num mundo inútil. Desisto de tudo, que a água me engula, que as lembranças se afoguem no turbilhão de mar, mar dos perdidos.
Descolo o corpo da areia. Recorto os braços e as pernas, recorto a cabeça, destaco-me ali. Levanto-me. A água escorre, escorre em gotas pelo meu corpo, serão estas as lágrimas que nunca irei chorar?Pequenas gotas caiem do céu, as ondas tocam o céu. Vou caminhar até até chegar à linha que separa os dois azuis. Quero caminhar, andar, encher o peito daquele cheiro a mar, inspirar, expirar a liberdade que não tenho, o amor que nunca tive. Não tenho nada, e por iso caminho. Não sou nada, e por isso sou aquela que caminha com a água na boca. Continuo a caminhar, não vou parar agora, tão perto estou, posso tocar a morte. Sinto a água entrar no nariz, na boca, na garganta, afogar os pulmões, encharcar o coração...estou mergulhada,existo, mas estou por um fio.Não me consigo mover, estou ali a ser puxada para o fundo. Parti-me em particulas, cheias de água, sou parte do mar, e não me vou recortar nem destacar nunca mais...

Ouve-se...

Ouve-se um piano no fundo,
a música devagar,
corre no ar,
à espera do mundo.

Ouve-se os dedos na chuva a deslizar,
acariciar as gotas,
por entre mãos rotas,
que tentam agarrar.

Ouve-se um pincel,
uma mão a pintar,
as ondas do mar,
presas num papel.

Ouve-se uma voz,
um eco mudo,
refugiado nem escudo,
tão perto e tão sós...

Para a minha pele...

A pele,
um bocado de mim.
A vida,
marcada em mim,
em cada pedacinho de pele,
uma traço, uma fenda,
uma cicatriz, uma ruga.
Cada história...
Marcas leves,
histórias passageiras,
histórias engraçadas,
paixonetas ligeiras,
por alguém...
Marcas profundas,
um desgosto do tamanho do mundo,
um grande alguém perdido,
um grande amor amanhecido,
no peito, num segundo...
A pele,
um bocado de mim,
que sente,
que chora,
que vive por mim,
que sente,
que chora,
pelas histórias de uma vida...

sábado, setembro 17, 2005

Queria exprimir-me...

Queria exprimir-me. Queria exprimir o que sinto ao ouvir esta música. Queria exprimir o que sinto ao ver o mar. Queria exprimir o que sinto ao ver o céu e o sol. Queria exprimir-me em palavras. Palavras soltas, com ou sem sentido, poemas, textos, mas seriam minhas as palavras, minhas...
Por este desejo de me querer exprimir criei este blog para tentar expressar-me, e expressar tudo o que vejo, expressar sentimentos e tudo isto para partilhar tudo isso convosco.